quinta-feira, 21 de maio de 2015

LULUZINHA - PRIMEIRAS HISTÓRIAS - a infância nos loucos anos 40

Olá.
Já faz mais de um mês que a notícia se confirmou: a Pixel Media, selo do grupo Ediouro, suspendeu a publicação dos gibis de Luluzinha e Bolinha. Tanto os clássicos como a versão adolescente da personagem. E tudo antes mesmo de cumprir quatro anos nas bancas!
Mas não devemos nos lamuriar: ao menos não foram quatro anos perdidos. E eu, mesmo, não vou me lamuriar por muito tempo. Não agora, pois tenho trunfos para os próximos dias: falarei dos álbuns especiais que a editora lançou com a personagem. E começarei pelo primeiro: LULUZINHA – PRIMEIRAS HISTÓRIAS.
Bem. Eu venho resenhando os gibis clássicos de Luluzinha desde o relançamento, em abril de 2011. A publicação de Luluzinha Teen, produzido pela editora Pixel Media, a partir de 2009, despertou um novo interesse pela personagem de Marjorie “Marge” Henderson Buell, motivando a mesma Pixel a relançar os gibis da versão clássica.
E, em abril de 2013, a diversão dos fãs aumentou: a Pixel começou a lançar uma série de álbuns de Luluzinha, todas com material ainda mais clássico: as primeiras histórias, dos anos 1940 e 1950. Foi em abril de 2013 que saiu o primeiro álbum da série, LULUZINHA – PRIMEIRAS HISTÓRIAS.
O principal diferencial do álbum é o formato distinto dos gibis de linha: medida 23,8 x 16,6 cm, 128 páginas, papel couché, totalmente colorido. Depois, o citado conteúdo, e textos informativos com curiosidades e informações sobre o personagem. Nos mesmos moldes de publicações como o Livro de Ouro do Recruta Zero e Super Popeye. Ah, e lembrando que, nos mesmos moldes, a Pixel lançou ainda álbuns do Fantasma e do Mandrake, ambos de Lee Falk, e do Hagar, o Horrível, de Dik Browne.

REMEMORANDO A HISTÓRIA TANTAS VEZES CONTADA...
Well. Muito já falei sobre Luluzinha, de sua mãe, Marjorie “Marge” H. Buell, e de seu pai de criação, John Stanley. Vamos rememorar rapidinho: Luluzinha foi criada pela estadunidense Marge em 1935, como uma série de cartuns de um só quadro do jornal Saturday Evening Post, como substituta da série Henry (Pinduca) de Carl Thomas Anderson, que mudara de syndicate distribuidor. Fez tanto sucesso que rapidamente foi licenciada como garota-propaganda de diversos produtos, como os lenços de papel Kleenex e a Pepsi-Cola. Em 1943, ganhou sua primeira série de desenhos animados, produzidos pela Paramount Pictures, que durou até 1947. Em 1945, começou a ser publicada na forma de gibi: iniciou nas edições experimentais do gibi Four Color Comics, da editora Dell, empresa do grupo Western Printing; e um gibi próprio, em 1948. A produção das histórias para os gibis ficou a cargo de John Stanley. A princípio fazendo tudo sozinho, roteiro, desenho e arte-final – e reza a lenda que ele só teve uma única reunião com Marge, que parara de fazer os cartuns em 1944, e desde então apenas supervisionava os rumos da personagem. Com o aumento da carga de trabalho, Stanley passou a contar com a ajuda de assistentes, sendo o mais lembrado Irv Tripp. Stanley parou de fazer histórias de Luluzinha em 1959. A partir de 1962, o gibi de Luluzinha, e o título adicional do Bolinha, também criado por Marge, passaram a sair pela editora Gold Key, que pertencia à Western Printing. E o gibi foi publicado até 1984, nos EUA. Depois, os direitos de Luluzinha foram comprados pela Classic Media, cujo material hoje pertence ao grupo DreamWorks. A partir dos anos 90, a editora Dark Horse começou a resgatar o material clássico, numa série de álbuns. Em 1995, uma nova série de animação da Luluzinha saiu, produzida pelos estúdios Cinar e exibida pelo canal pago HBO.
No Brasil, Luluzinha começou a ser publicada em 1955 pela editora O Cruzeiro, do grupo Diários Associados do empresário Assis Chateaubriand, e com sucesso. Tanto que, ainda nos anos 70, o grupo musical Trio Esperança, integrante da Jovem Guarda, dedicou uma canção – Festa do Bolinha – à personagem. Depois da falência do grupo Diários Associados, em 1972, os direitos de publicação foram comprados pela editora Abril, que começou a lançar o gibi de Luluzinha e Bolinha em 1974, e publicou-o até 1995. E teve até histórias produzidas aqui, no Brasil! Depois de 11 anos fora das bancas, Luluzinha voltou a ser publicada, no Brasil, em 2006, em uma série de álbuns em preto e branco da editora Devir, publicando a série da Dark Horse. Foram oito volumes até a interrupção. E, como já dito, em 2009, a Pixel começou a lançar Luluzinha Teen, em formato mangá e feito no Brasil; e, em 2011, Luluzinha Clássica, e Bolinha Clássico, voltaram às bancas, sendo publicados até 2015.

EIS O ÁLBUM CLÁSSICO...
LULUZINHA – PRIMEIRAS HISTÓRIAS, que abre a nova coleção – que, no momento, contabiliza sete álbuns, seis de Luluzinha e um solo de Bolinha – reúne as primeiras histórias publicadas no gibi Four Color, e mais algumas que saíram no gibi próprio da personagem, Little Lulu. Entre material conhecido e material raro, incluindo uma história censurada, o álbum prioriza histórias com algum grau de pioneirismo no universo da personagem. E tudo entremeado com textos adicionais de Otacílio d’Assunção, o Ota, um superespecialista em HQs antigas, contando a história de Marge, de Stanley, da personagem e do elenco de apoio. Este álbum já oferece um breve panorama da evolução da personagem, em traço e personalidade. No começo, uma menina simplesmente arteira, que combinava em um só pacote inocência infantil e esperteza, e, nesse contexto, ingenuidade infantil e politicamente incorreto eram sinônimos para garantir o humor das histórias. Aí, a inteligência de Luluzinha foi aumentando, a menina do vestido vermelho e penteado vitoriano ficou mais decidida, e o grande forte das histórias passou a ser o conflito com os meninos. Luluzinha já era, desde a criação, um contraponto ao modelo de mulher e de menina da época, os anos 40 do século XX – e Marge, então, seria a matriarca do feminismo nos quadrinhos, afinal, o mundo dos comics, antes de Marge, era predominantemente masculino. Podemos dizer que foi preciso que Marge aparecesse para que aparecessem outras cartunistas mulheres, como Dale Messick, Claire Bretécher, Cathy Guisewite... Houve outras cartunistas mulheres antes de Marge, claro, mas ela foi a primeira a fazer sucesso.
Bolinha, o único coadjuvante criado por Marge – todos os outros personagens foram criados por Stanley – é o retrato do machismo e do cinismo nas HQ, um contraponto à personagem principal, por isso vítima constante das intervenções de Lulu. Mas, geralmente, ela só passa Bolinha para trás por vingança, depois de o gordinho e seus amigos terem lhe passado para trás.
Há outros sustentáculos das histórias de Luluzinha, como as brincadeiras esquisitas promovidas por ela e Bolinha, as situações pela qual ela passa quando toma conta do irrequieto Alvinho e as historinhas surreais que ela conta para o menininho, muitas com a presença da bruxa Alcéia.
É visível também a evolução do traço. De início, com linhas mais simples – e, geralmente, Stanley eliminava a boca dos personagens mesmo quando esta estava em uso, para falar ou comer. Depois, com a entrada de Irv Tripp, o traço foi adquirindo formas mais arredondadas, até chegar ao estilo hoje conhecido.
O elenco de apoio também passou por evoluções, e suas formas foram se definindo conforme a resposta do público. Aqui, no álbum, o leitor pode enxergar a evolução de Alvinho, Glorinha, Plínio Raposo e Bruxa Alcéia – Aninha, Carequinha, Juca, Zeca e Mino, o Marciano, ficaram para os outros álbuns.
Todas as histórias do álbum tem roteiro e arte de John Stanley – mas difícil dizer quais as que tem a assistência de Irv Tripp.

AS HISTÓRIAS
A primeira história do álbum – sem título, Four Color 74, junho de 1945 – nos mostra uma Luluzinha “capetinha”, apesar da fantasia de anjo que usa em uma festa de aniversário, onde apronta bastante – ainda mais que complementou a fantasia com uma barba preta!. John Stanley já começa demonstrando incorreção política em um gibi infantil.
A Babá do Alvinho – extraída do mesmo gibi – traz a primeira aparição de Alvinho, ainda como um garotinho carequinha, sem o icônico macacão azul e sem o mais icônico ainda topete saindo do boné, mas já como um menino “perigoso”. Nesta história, Lulu, encarregada de cuidar do garotinho, presencia, junto com Bolinha, Alvinho colocando cachorros ferozes para correr e encarando um leão no zoológico, que almoçava tranquilamente!
Do primeiro gibi de Luluzinha, de janeiro-fevereiro de 1948, sai a história seguinte, Os Alpinistas, em que Bolinha decide levar Lulu para uma escalada – não de uma montanha, mas de um prédio – e não sem antes se meter em algumas confusões, e provocar mais ainda durante a tal escalada.
Do gibi Four Color 158, de agosto de 1947, sai a historinha O Interesseiro, a primeira aparição de Glorinha – que, na época foi batizada como Dolly. Nela, Luluzinha resolve disputar a atenção de Bolinha com Glorinha, que culmina numa competição para ver quem paga mais coisas para ele. Bolinha curte a boca livre... até uma dor de barriga mudar os rumos da disputa.
De Little Lulu 10, abril de 1949, sai uma segunda história com a presença de Glorinha, já praticamente definida, O Assalto ao Cofrinho. Luluzinha, desesperada para comprar uma boneca nova, decide assaltar seu cofre, mas uma série de mal-entendidos põe a menina em rota de colisão com Bolinha – principalmente porque este paga coisas para Glorinha. Muito suspeito...
De Little Lulu 16, outubro de 1949, sai uma história sem título. Nela, Luluzinha tem uma interação desagradável com um garotinho rico e muito arteiro – o primeiro esboço de Plínio Raposo, mas com cabelo preto. Luluzinha se vinga na maior das maldades do tal menino.
Também sem título é a história seguinte, de Little Lulu 19, janeiro de 1950 – com outra aparição de Plínio Raposo, mais ou menos definido – mas ainda com cabelos castanhos. Luluzinha é passada para trás por Plínio, e, na ânsia de cobrar o que ele deve, vai provocar uma pequena crise familiar na família do riquinho.
Com Os Apuros de Lulu, da revista Four Color 110, junho de 1946, o álbum começa uma série de três historinhas com as narrativas que Lulu inventa para entreter Alvinho. Nesta primeira, cheia de sarcasmo, Lulu conta, em primeira pessoa, as agruras de sua convivência com uma madrasta e seu irmão. Até o Bolinha faz uma participação especial, como um cavaleiro atrapalhado. Crueldade que era mais palatável na época em que a história foi publicada pela primeira vez. Por isso, poucos os que gostarão realmente desta narrativa.
De Little Lulu 25, julho de 1950, vem a narrativa seguinte, A Domadora de Dragões, com a primeira aparição da personagem que daria origem à Bruxa Alcéia. Agora, sim, uma historinha surreal e aceitável.
E, para completar o álbum, a história censurada: O Bicho-Papão. Esta história não havia sido aprovada por Marge, por isso não foi publicada em cores nos EUA – só foi publicada nos anos 90, nos álbuns da Dark Horse. E, aqui, sai em preto e branco. Motivo da censura? Marge achou a história muito assustadora para crianças. Na tal narrativa, Lulu conta para Alvinho como “encontrou” a criatura lendária – que, pelos critérios de hoje, tem mais de engraçada que de assustadora. Vai entender a sociedade norte-americana da década de 1940...
O álbum é completo com reproduções de capas dos gibis originais, cartuns e os já citados textos informativos.
Mas há algo a considerar: a Pixel passou a perna nos leitores mais esperançosos. É que, nas primeiras notícias sobre o álbum divulgadas nos sites especializados, eles anunciaram a inclusão, no álbum, da primeira história do gibi próprio do Bolinha, Capitão Yo-yo, um épico de 34 páginas. Não foi incluída em LULUZINHA – PRIMEIRAS HISTÓRIAS. O que, além da decepção, foi muito estranho.
Hoje, o álbum está praticamente esgotado. Mas, com sorte, pode ser encontrado em lojas e bancas – vale frisar que algumas localidades só receberam o álbum em bancas muito tempo depois do lançamento. Preço de capa original: R$ 16,90.
E, apesar de tudo, a vida continua.
Para encerrar, o estarrecimento pelo encerramento dos gibis de linha de Luluzinha e Bolinha, clássicos e teen, traduzida numa ilustração especial, mostrando as duas gerações de personagens na mesma sarjeta. Que os tempos estão bicudos, todo mundo já sabe – e não está poupando nem os personagens de quadrinhos que conhecemos e amamos.
Em breve, outro álbum de Luluzinha da série da Pixel. Aguardem.

Até mais!

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