Olá.
Já
faz mais de um mês que a notícia se confirmou: a Pixel Media, selo do grupo
Ediouro, suspendeu a publicação dos gibis de Luluzinha e Bolinha. Tanto os
clássicos como a versão adolescente da personagem. E tudo antes mesmo de
cumprir quatro anos nas bancas!
Mas
não devemos nos lamuriar: ao menos não foram quatro anos perdidos. E eu, mesmo,
não vou me lamuriar por muito tempo. Não agora, pois tenho trunfos para os
próximos dias: falarei dos álbuns especiais que a editora lançou com a
personagem. E começarei pelo primeiro: LULUZINHA – PRIMEIRAS HISTÓRIAS.
E,
em abril de 2013, a diversão dos fãs aumentou: a Pixel começou a lançar uma
série de álbuns de Luluzinha, todas com material ainda mais clássico: as
primeiras histórias, dos anos 1940 e 1950. Foi em abril de 2013 que saiu o
primeiro álbum da série, LULUZINHA – PRIMEIRAS HISTÓRIAS.
O
principal diferencial do álbum é o formato distinto dos gibis de linha: medida
23,8 x 16,6 cm, 128 páginas, papel couché, totalmente colorido. Depois, o
citado conteúdo, e textos informativos com curiosidades e informações sobre o
personagem. Nos mesmos moldes de publicações como o Livro de Ouro do Recruta Zero e Super
Popeye. Ah, e lembrando que, nos mesmos moldes, a Pixel lançou ainda álbuns
do Fantasma e do Mandrake, ambos de Lee Falk, e do Hagar, o Horrível, de Dik Browne.
REMEMORANDO A HISTÓRIA TANTAS VEZES
CONTADA...
Well.
Muito já falei sobre Luluzinha, de sua mãe, Marjorie “Marge” H. Buell, e de seu
pai de criação, John Stanley. Vamos rememorar rapidinho: Luluzinha foi criada
pela estadunidense Marge em 1935, como uma série de cartuns de um só quadro do
jornal Saturday Evening Post, como
substituta da série Henry (Pinduca)
de Carl Thomas Anderson, que mudara de syndicate distribuidor. Fez tanto
sucesso que rapidamente foi licenciada como garota-propaganda de diversos
produtos, como os lenços de papel Kleenex e a Pepsi-Cola. Em 1943, ganhou sua
primeira série de desenhos animados, produzidos pela Paramount Pictures, que
durou até 1947. Em 1945, começou a ser publicada na forma de gibi: iniciou nas
edições experimentais do gibi Four Color
Comics, da editora Dell, empresa do grupo Western Printing; e um gibi
próprio, em 1948. A produção das histórias para os gibis ficou a cargo de John
Stanley. A princípio fazendo tudo sozinho, roteiro, desenho e arte-final – e
reza a lenda que ele só teve uma única reunião com Marge, que parara de fazer
os cartuns em 1944, e desde então apenas supervisionava os rumos da personagem.
Com o aumento da carga de trabalho, Stanley passou a contar com a ajuda de
assistentes, sendo o mais lembrado Irv Tripp. Stanley parou de fazer histórias
de Luluzinha em 1959. A partir de 1962, o gibi de Luluzinha, e o título
adicional do Bolinha, também criado
por Marge, passaram a sair pela editora Gold Key, que pertencia à Western
Printing. E o gibi foi publicado até 1984, nos EUA. Depois, os direitos de
Luluzinha foram comprados pela Classic Media, cujo material hoje pertence ao
grupo DreamWorks. A partir dos anos 90, a editora Dark Horse começou a resgatar
o material clássico, numa série de álbuns. Em 1995, uma nova série de animação
da Luluzinha saiu, produzida pelos estúdios Cinar e exibida pelo canal pago
HBO.
No
Brasil, Luluzinha começou a ser publicada em 1955 pela editora O Cruzeiro, do
grupo Diários Associados do empresário Assis Chateaubriand, e com sucesso. Tanto
que, ainda nos anos 70, o grupo musical Trio Esperança, integrante da Jovem
Guarda, dedicou uma canção – Festa do
Bolinha – à personagem. Depois da falência do grupo Diários Associados, em
1972, os direitos de publicação foram comprados pela editora Abril, que começou
a lançar o gibi de Luluzinha e Bolinha em 1974, e publicou-o até 1995. E teve
até histórias produzidas aqui, no Brasil! Depois de 11 anos fora das bancas,
Luluzinha voltou a ser publicada, no Brasil, em 2006, em uma série de álbuns em
preto e branco da editora Devir, publicando a série da Dark Horse. Foram oito
volumes até a interrupção. E, como já dito, em 2009, a Pixel começou a lançar Luluzinha Teen, em formato mangá e feito
no Brasil; e, em 2011, Luluzinha
Clássica, e Bolinha Clássico,
voltaram às bancas, sendo publicados até 2015.
EIS O ÁLBUM CLÁSSICO...
LULUZINHA
– PRIMEIRAS HISTÓRIAS, que abre a nova coleção – que, no momento, contabiliza
sete álbuns, seis de Luluzinha e um solo de Bolinha – reúne as primeiras
histórias publicadas no gibi Four Color,
e mais algumas que saíram no gibi próprio da personagem, Little Lulu. Entre material conhecido e material raro, incluindo
uma história censurada, o álbum prioriza histórias com algum grau de
pioneirismo no universo da personagem. E tudo entremeado com textos adicionais
de Otacílio d’Assunção, o Ota, um superespecialista em HQs antigas, contando a
história de Marge, de Stanley, da personagem e do elenco de apoio. Este álbum
já oferece um breve panorama da evolução da personagem, em traço e
personalidade. No começo, uma menina simplesmente arteira, que combinava em um
só pacote inocência infantil e esperteza, e, nesse contexto, ingenuidade
infantil e politicamente incorreto eram sinônimos para garantir o humor das
histórias. Aí, a inteligência de Luluzinha foi aumentando, a menina do vestido
vermelho e penteado vitoriano ficou mais decidida, e o grande forte das
histórias passou a ser o conflito com os meninos. Luluzinha já era, desde a
criação, um contraponto ao modelo de mulher e de menina da época, os anos 40 do
século XX – e Marge, então, seria a matriarca do feminismo nos quadrinhos,
afinal, o mundo dos comics, antes de Marge, era predominantemente masculino. Podemos
dizer que foi preciso que Marge aparecesse para que aparecessem outras
cartunistas mulheres, como Dale Messick, Claire Bretécher, Cathy Guisewite...
Houve outras cartunistas mulheres antes de Marge, claro, mas ela foi a primeira
a fazer sucesso.
Bolinha,
o único coadjuvante criado por Marge – todos os outros personagens foram
criados por Stanley – é o retrato do machismo e do cinismo nas HQ, um
contraponto à personagem principal, por isso vítima constante das intervenções
de Lulu. Mas, geralmente, ela só passa Bolinha para trás por vingança, depois
de o gordinho e seus amigos terem lhe passado para trás.
Há
outros sustentáculos das histórias de Luluzinha, como as brincadeiras
esquisitas promovidas por ela e Bolinha, as situações pela qual ela passa
quando toma conta do irrequieto Alvinho e as historinhas surreais que ela conta
para o menininho, muitas com a presença da bruxa Alcéia.
É
visível também a evolução do traço. De início, com linhas mais simples – e,
geralmente, Stanley eliminava a boca dos personagens mesmo quando esta estava
em uso, para falar ou comer. Depois, com a entrada de Irv Tripp, o traço foi
adquirindo formas mais arredondadas, até chegar ao estilo hoje conhecido.
O
elenco de apoio também passou por evoluções, e suas formas foram se definindo
conforme a resposta do público. Aqui, no álbum, o leitor pode enxergar a
evolução de Alvinho, Glorinha, Plínio Raposo e Bruxa Alcéia – Aninha,
Carequinha, Juca, Zeca e Mino, o Marciano, ficaram para os outros álbuns.
Todas
as histórias do álbum tem roteiro e arte de John Stanley – mas difícil dizer
quais as que tem a assistência de Irv Tripp.
AS HISTÓRIAS
A
primeira história do álbum – sem título, Four
Color 74, junho de 1945 – nos mostra uma Luluzinha “capetinha”, apesar da
fantasia de anjo que usa em uma festa de aniversário, onde apronta bastante –
ainda mais que complementou a fantasia com uma barba preta!. John Stanley já
começa demonstrando incorreção política em um gibi infantil.
A Babá do Alvinho –
extraída do mesmo gibi – traz a primeira aparição de Alvinho, ainda como um
garotinho carequinha, sem o icônico macacão azul e sem o mais icônico ainda topete
saindo do boné, mas já como um menino “perigoso”. Nesta história, Lulu,
encarregada de cuidar do garotinho, presencia, junto com Bolinha, Alvinho
colocando cachorros ferozes para correr e encarando um leão no zoológico, que
almoçava tranquilamente!
Do
primeiro gibi de Luluzinha, de janeiro-fevereiro de 1948, sai a história
seguinte, Os Alpinistas, em que Bolinha
decide levar Lulu para uma escalada – não de uma montanha, mas de um prédio – e
não sem antes se meter em algumas confusões, e provocar mais ainda durante a
tal escalada.
Do
gibi Four Color 158, de agosto de
1947, sai a historinha O Interesseiro,
a primeira aparição de Glorinha – que, na época foi batizada como Dolly. Nela,
Luluzinha resolve disputar a atenção de Bolinha com Glorinha, que culmina numa
competição para ver quem paga mais coisas para ele. Bolinha curte a boca
livre... até uma dor de barriga mudar os rumos da disputa.
De Little Lulu 10, abril de 1949, sai uma
segunda história com a presença de Glorinha, já praticamente definida, O Assalto ao Cofrinho. Luluzinha,
desesperada para comprar uma boneca nova, decide assaltar seu cofre, mas uma
série de mal-entendidos põe a menina em rota de colisão com Bolinha –
principalmente porque este paga coisas para Glorinha. Muito suspeito...
De Little Lulu 16, outubro de 1949, sai uma
história sem título. Nela, Luluzinha tem uma interação desagradável com um
garotinho rico e muito arteiro – o primeiro esboço de Plínio Raposo, mas com
cabelo preto. Luluzinha se vinga na maior das maldades do tal menino.
Também
sem título é a história seguinte, de Little
Lulu 19, janeiro de 1950 – com outra aparição de Plínio Raposo, mais ou
menos definido – mas ainda com cabelos castanhos. Luluzinha é passada para trás
por Plínio, e, na ânsia de cobrar o que ele deve, vai provocar uma pequena
crise familiar na família do riquinho.
Com Os Apuros de Lulu, da revista Four Color 110, junho de 1946, o álbum
começa uma série de três historinhas com as narrativas que Lulu inventa para
entreter Alvinho. Nesta primeira, cheia de sarcasmo, Lulu conta, em primeira
pessoa, as agruras de sua convivência com uma madrasta e seu irmão. Até o
Bolinha faz uma participação especial, como um cavaleiro atrapalhado. Crueldade
que era mais palatável na época em que a história foi publicada pela primeira
vez. Por isso, poucos os que gostarão realmente desta narrativa.
De Little Lulu 25, julho de 1950, vem a
narrativa seguinte, A Domadora de Dragões,
com a primeira aparição da personagem que daria origem à Bruxa Alcéia. Agora,
sim, uma historinha surreal e aceitável.
E,
para completar o álbum, a história censurada: O Bicho-Papão. Esta história não havia sido aprovada por Marge, por
isso não foi publicada em cores nos EUA – só foi publicada nos anos 90, nos
álbuns da Dark Horse. E, aqui, sai em preto e branco. Motivo da censura? Marge
achou a história muito assustadora para crianças. Na tal narrativa, Lulu conta
para Alvinho como “encontrou” a criatura lendária – que, pelos critérios de
hoje, tem mais de engraçada que de assustadora. Vai entender a sociedade
norte-americana da década de 1940...
O
álbum é completo com reproduções de capas dos gibis originais, cartuns e os já
citados textos informativos.
Mas
há algo a considerar: a Pixel passou a perna nos leitores mais esperançosos. É
que, nas primeiras notícias sobre o álbum divulgadas nos sites especializados,
eles anunciaram a inclusão, no álbum, da primeira história do gibi próprio do
Bolinha, Capitão Yo-yo, um épico de
34 páginas. Não foi incluída em LULUZINHA – PRIMEIRAS HISTÓRIAS. O que, além da
decepção, foi muito estranho.
Hoje,
o álbum está praticamente esgotado. Mas, com sorte, pode ser encontrado em
lojas e bancas – vale frisar que algumas localidades só receberam o álbum em
bancas muito tempo depois do lançamento. Preço de capa original: R$ 16,90.
E,
apesar de tudo, a vida continua.
Para
encerrar, o estarrecimento pelo encerramento dos gibis de linha de Luluzinha e
Bolinha, clássicos e teen, traduzida numa ilustração especial, mostrando as
duas gerações de personagens na mesma sarjeta. Que os tempos estão bicudos,
todo mundo já sabe – e não está poupando nem os personagens de quadrinhos que
conhecemos e amamos.
Em
breve, outro álbum de Luluzinha da série da Pixel. Aguardem.
Até
mais!
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