domingo, 30 de janeiro de 2011

História dos Quadrinhos no Brasil - 2a. edição - parte 1

Olá.
No momento que escrevo, ainda é 30 de janeiro, Dia do Quadrinho Nacional. Uma data que poderia ser comemorada pelos brasileiros, mas não é por motivos que todos sabem, mas ignoram.
E, antes que o dia acabe, vou começar o que prometi: inicia-se, aqui, a publicação da 2a. edição, revista e ampliada, da História dos Quadrinhos no Brasil, meu resumo da produção brasileira de HQ em todos os tempos.
Agora com novidades: além das informações adicionais, e de um novo jogo de cores para o texto (ver adiante), a História das HQ no Brasil virá com mais ilustrações de personagens brasileiros - todas já publicadas anteriormente, porém permitindo uma visualização mais fácil da aparência daqueles personagens.
Bem, sem mais delongas, iniciamos com a primeira parte: do Império Brasileiro ao final da década de 40.
A História das HQ no Brasil - pesquisa de Rafael Grasel.



INTRODUÇÃO
A história das Histórias em Quadrinhos no Brasil pode ser considerada como uma das mais dramáticas do mundo, uma vez que esta arte passou por muitas dificuldades, e, de certa forma, as criações nacionais não são muito valorizadas pelos leitores conterrâneos, frente às criações estrangeiras. Diversos artistas importantes em outros tempos foram praticamente esquecidos da memória nacional. Aqui, em um apanhado de nomes e fatos relevantes, tenta-se resgatar a memória quadrinhística nacional, motivando assim futuras pesquisas na área.
Na citação dos autores, quando uma HQ tiver mais de um autor, o nome do roteirista precederá o do desenhista. Também é preciso advertir que algumas das datas aqui apresentadas são imprecisas.
As cores usadas seguem a seguinte convenção: azul, para revistas, álbuns, graphic novels ou suplementos de HQ de periódicos (jornais e revistas); verde, para personagens de tiras e cartuns (exclusivos ou que tenham surgido primeiro ali); vermelho, para personagens de gibis (exclusivos ou que tenham surgido primeiro ali); amarelo, para adaptações literárias em HQ; roxo, para fatos relacionados a HQ, como aparecimento de editoras ou atividades de incentivo à produção; cinza, para produções alternativas (fanzines e personagens surgidos em publicações independentes).
O INÍCIO – O SEGUNDO REINADO
A primeira charge publicada no Brasil, em 14 de dezembro de 1837 no Jornal do Comércio do Rio de Janeiro, é de autoria atribuída a Manuel de Araújo Porto-Alegre, chamada A Campainha e o Cujo. Durante o Segundo Reinado do Império Brasileiro (1840 – 1889), a caricatura e as charges foram muito cultivadas em revistas e periódicos (curiosamente, o período do Segundo Reinado é considerado onde a imprensa teve mais liberdade de expressão, inclusive para satirizar o Imperador Pedro II). São as primeiras manifestações das HQ no país (o desenho de humor, portanto, já é tradição no Brasil). Dentre alguns títulos de periódicos surgidos na época que ressaltavam as ilustrações, estão: Lanterna Mágica (surgida em 1844), A Marmota na Corte (mais tarde, A Marmota Fluminense, 1849), A Semana Illustrada (1860, fundada pelo alemão Henrique Fleuiss e um dos títulos mais longevos da época), O Mosquito (1869) e O Mephistópheles (1874, mais tarde incorporado ao Mosquito, que por sua vez é absorvido pela Revista Ilustrada). E, dentre os artistas, destacam-se: o português radicado no Brasil Rafael Bordalo Pinheiro, Aluízio de Azevedo (que, mais tarde, seria consagrado como escritor, fundador da estética literária do Naturalismo no Brasil), Cândido Aragonês de Faria e Luigi Borgomainerio.
Convenciona-se, atualmente, incluir entre os pioneiros das HQ, ao lado dos europeus, o desenhista italiano Ângelo Agostini, que veio ao Brasil em 1859. Ele, inicialmente, colaborou como ilustrador nos periódicos Diabo Coxo e O Cabrião, passando ainda por Vida Fluminense, O Mosquito e O Malho (a última, no início do século XX). Em 1867, Agostini publica em O Cabrião, As Cobranças, uma história seqüencial pioneira. Em 30 de janeiro de 1869, ele lança, em Vida Fluminense, As Aventuras de Nhô Quim, uma das primeiras “aventuras seriadas” do Brasil e do mundo.
Em 1876, Agostini lança a célebre Revista Ilustrada, uma das mais influentes publicações de humor do Segundo Reinado. Além de inúmeras charges que satirizam a política do governo de D. Pedro II e da apaixonada defesa do autor da causa abolicionista, é na Revista Ilustrada que surge outro personagem conhecido de Agostini: As Aventuras de Zé Caipora.

NO INÍCIO DO SÉCULO XX (1905-1950)Este período é caracterizado como período de formação da indústria brasileira de HQ, com a fundação das principais editoras que operaram no século XX. Os fatos, a saber:
• 1905 – O movimento das HQ modernas no Brasil inicia-se neste ano, com o lançamento da revista O Tico-Tico, a primeira voltada ao público infantil a publicar HQ. A revista foi idealizada por Renato de Castro (jornalista e caricaturista), Cardoso Júnior (poeta) e Manoel Bonfim (professor e jornalista), e encampada por Luís Bartolomeu de Souza e Silva, dono da Sociedade O Malho – o logotipo foi criado por Ângelo Agostini. Inicialmente como suplemento do periódico O Malho (editado no Rio de Janeiro), e inspirado no periódico francês La Semaine de Suzette, começou publicando material estrangeiro, como o Buster Brown de Richard F. Outcault, Mickey Mouse, Popeye, Krazy Kat e Gato Félix. Buster Brown, que por aqui foi batizado de Chiquinho, foi continuado por artistas brasileiros, depois que o personagem parou de ser publicado nos EUA – a saber: Luis Gomes Loureiro, Augusto Rocha, Alfredo Storni, Paulo Afonso, Oswaldo Storni e Miguel Hochmann. Mais tarde, a produção da revista seria predominantemente nacional, e muitos artistas seriam revelados, alguns desses mais tarde se destacam no desenho de humor dos periódicos: J. Carlos (José Carlos de Brito Cunha, conhecido por suas “melindrosas”, as mulheres retratadas em seus cartuns) (Lamparina), Max Yantok (Kaximbown), Alfredo Storni (Zé Macaco), Luís Sá (Reco-Reco, Bolão e Azeitona), Théo (Tinoco, o caçador de feras), Nino Borges (Bolinha e Bolonha), Fritz (Anísio Oscar Mota) (Pirolito), entre outros. Além das HQ, a revista publica textos literários de caráter educativo. O Tico-Tico dura até 1962.• 1925 – Aparece, no jornal Folha da Noite (SP), o personagem Juca Pato, de Belmonte (Benedito Bastos Barreto, que também ficaria célebre como desenhista de humor no período do governo Getúlio Vargas [censurado pelo Estado Novo, Belmonte volta suas charges à política internacional] e ilustrador dos livros infantis de Monteiro Lobato). O personagem dá nome ao prêmio, instituído em 1962, pela União Brasileira dos Escritores, oferecido aos Intelectuais do Ano.• 1934 – Na mesma linha d’O Tico-Tico, surgem outras publicações de HQ – todas voltadas ao público infantil. Neste ano, surge o Suplemento Infantil (mais tarde, Suplemento Juvenil), lançado em 1934 dentro do jornal A Razão (RJ) e editado pelo Grande Consórcio Suplementos Nacionais (GCSN), de propriedade do baiano Adolfo Aizen; mais tarde publicado de forma independente, é o marco da publicação de HQ como indústria cultural no Brasil. Diversos sucessos dos comics americanos foram publicados aí, como Flash Gordon, Jim das Selvas, Agente X-9, Tarzan, Mandrake, Dick Tracy e Príncipe Valente. Dentro do Suplemento, surge o personagem Roberto Sorocaba, de Monteiro Filho (criado nesse mesmo ano), considerado o primeiro herói das HQ brasileiras. Outro artista brasileiro que destaca-se no Suplemento é Carlos Arthur Thiré, autor de O Gavião de Riff, Três Legionários de Sorte e Raffles.• 1937 – Roberto Marinho, dono da editora O Globo (RJ), lança a revista O Globo Juvenil, sua primeira investida de sucesso no campo editorial das HQ. Nessa revista, foram publicados personagens como Ferdinando e Brucutu; no suplemento A Gazeta Infantil (ou Gazetinha, criada em 1929) do jornal A Gazeta de São Paulo (SP), então dirigida pelo casal Manoel e Helena Ferraz, diretores da Livraria Civilização, aparece A Garra Cinzenta, de Francisco Armond e Renato Silva. História policial que, devido ao alto grau de violência e suspense para a época, é considerada a precursora das HQ de terror no Brasil – com o sucesso que fez, foi inclusive exportada para o México, Bélgica e França. Recentemente, foi revelado que Francisco Armond, às vezes Álvaro Armando, é, na realidade, o pseudônimo usado por Helena Ferraz, com o qual também assinou Nick Carter, também desenhado por Silva. Outro importante artista que publica na Gazetinha é Messias de Mello, que criou Pão-Duro e Audaz, o Demolidor, entre outros. Foi ainda na Gazetinha que o Superman foi publicado pela primeira vez no Brasil, em 1939; aparece a revista Mirim, editada no RJ pelo GCSN;
• 1938 – É editado, pelo jornal Correio Universal, do Rio de Janeiro (também dirigido pelo casal Ferraz), o álbum João Tymbira ao Redor do Brasil, de Francisco Acquarone, escritor, historiador e um dos maiores pintores brasileiros do início do século XX;• 1939 – Roberto Marinho lança a mais popular publicação de HQ do Brasil: O Gibi, cujo nome passa a designar qualquer publicação de HQ no Brasil (gibi, anteriormente, era uma denominação para os meninos negros). Nessa revista, foram publicados Capitão Marvel, Tocha Humana e Príncipe Submarino, entre outros; Aparece, também, a revista O Lobinho, do GCSN (foi nesta revista que o Batman foi publicado pela primeira vez no Brasil, em 1940).• 1940 – A editora O Cruzeiro (RJ), de Assis Chateaubriand, também entra no negócio das HQ, com a revista O Guri (“Do Oiapoque ao Chuí todos lêem O Guri”, dizia o slogan).• 1943 – Aparece o personagem O Amigo da Onça, de Péricles de Andrade Maranhão, na revista O Cruzeiro, o mais importante cartum-personagem do Brasil;• 1945 – Adolfo Aizen funda a EBAL (Editora Brasil-América LTDA.), a maior editora brasileira de HQ do século XX. A primeira revista da editora foi Seleções Coloridas, lançada em 1946 e impressa na Argentina; a seguir, aparece a revista O Heroi (sem acento), o primeiro título da editora impresso no Brasil. Dentre os personagens cujas revistas eram publicadas por essa editora, estão Superman, Batman, Tarzan, Lone Ranger (por aqui batizado de Zorro), e os famosos álbuns em tamanho grande de Flash Gordon e Príncipe Valente. A EBAL fecha suas portas nos anos 90, devido às dificuldades econômicas.• 1947 – O português Jayme Cortez, que chega ao país nesse ano, adapta, em forma de tiras publicadas no jornal Diário da Noite (RJ), O Guarani, romance de José de Alencar (esta adaptação foi precedida pela realizada por Francisco Acquarone, para um álbum editado pelo jornal Correio Universal); No jornal Diário da Noite, aparece Dick Peter, personagem criado em 1937, em forma de seriado de rádio, por Ronnie Wells (pseudônimo usado por Jeronimo Monteiro, um dos primeiros escritores brasileiros de ficção científica, que ainda escreveu os livros do personagem) e desenhado por Abílio Corrêa (mais tarde, por artistas como Jayme Cortez, nos gibis da editora La Selva); aparece a revista Sesinho,de caráter educativo, editada no RJ pelo SESI (Serviço Social da Indústria) e dirigida por F. Guimarães. Entre os colaboradores desta revista, estão Ziraldo Alves Pinto, Joselito Matos e Fortuna (Ricardo Forte, criador de personagens como Madame e seu bicho muito louco e importante colaborador de O Pasquim). A publicação foi encerrada em 1960; André Le Blanc, desenhista nascido no Haiti e que já trabalhara como assistente nos estúdios de Will Eisner nos EUA, publica no Brasil a tira Morena Flor, a primeira tentativa brasileira de syndication (distribuição) nos moldes norte-americanos (a tira foi distribuída para a Argentina, Chile e EUA). Le Blanc também ficaria conhecido como um dos maiores ilustradores da obra de Monteiro Lobato.• 1948 – Na revista O Cruzeiro, Ignorabus, o Contador de Histórias, de Millôr Fernandes (Milton Fernandes) e Carlos Estevão; A EBAL lança a Edição Maravilhosa, que publica adaptações em HQ de romances célebres da literatura (com textos condensados, reduzidos apenas ao essencial das tramas, com intenção de não substituir os livros). Produção que marca época em nosso país, inicialmente publica romances estrangeiros; a partir de 1950, adapta romances brasileiros – o primeiro foi, justamente, O Guarani, por André Le Blanc. Além dele, outros artistas que ficaram célebres na Edição Maravilhosa foram Manoel Victor Filho, Nico Rosso, Eugênio Collonese (esses dois, nascidos na Itália – este último teve uma breve passagem pela Argentina antes de fazer carreira no Brasil), Aylton Thomas, José Geraldo e Ramón Llampayas, entre outros. Outras publicações da EBAL em linha similar são as séries Grandes Figuras, quadrinização de biografias de personagens célebres da história brasileira, e a Série Sagrada, de histórias religiosas.
• 1950 – Com a publicação da revista O Pato Donald, Victor Civita inicia a Editora Abril. É o início, também, da publicação das HQ Disney no Brasil – inicialmente, com material predominantemente estrangeiro, a seguir com histórias produzidas no Brasil (ver adiante); a editora La Selva lança a revista Terror Negro, uma das primeiras publicações do gênero terror do país. Inicialmente publicando um personagem criado nos EUA por Jerry Robinson, no ano seguinte passa a publicar histórias de terror – detalhe: embora o título fosse Terror Negro, o conteúdo era o de outra revista americana, Beyond. É o início das revistas de HQ de terror no Brasil.
Na próxima postagem: as décadas de 50 e 60.
(Detalhe: embora Peri não seja um personagem surgido nas HQ, e sim na literatura, a ilustração dele foi incluída aqui pelo fato de ele ser o personagem de nossa primeira adaptação de obra literária brasileira para as HQ.)
Para encerrar: mais três tiras de Bitifrendis.
Ah: em breve, um novo personagem vai ser incluído nessa tira.
Até mais!

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